Quando observamos um mapa astral complexo, usamos softwares sofisticados ou debatemos o status da astrologia na era da ciência, é natural que a mente se volte para o passado. Quem a criou? Como o conhecimento dos ciclos celestes, que remonta a milhares de anos, chegou à nossa era tecnológica? A astrologia é, de fato, uma das mais fascinantes máquinas do tempo do conhecimento humano, adaptando-se a cada civilização e cultura, mas mantendo seu núcleo simbólico intacto.
A história da astrologia, ou do que viria a ser a base da astronomia e da cosmologia ocidental, é de origem quase desconhecida, permeada por lendas e aprimorada por observadores celestes que viveram nos berços da humanidade. É na antiga Mesopotâmia, há mais de 4.000 anos, que encontramos as raízes mais profundas dessa disciplina: a Suméria.
Suméria: O Céu como Tábua da Lei
Na Suméria, o conhecimento do céu não era mera curiosidade, mas uma ferramenta vital, um reflexo da ordem divina que regia a vida. Os sumérios, pioneiros da escrita, da agricultura e da organização urbana, foram também os primeiros a sistematizar o conhecimento dos astros.
Seu panteão de deuses era diretamente associado aos sete astros errantes conhecidos a olho nu (os cinco planetas visíveis, mais Sol e Lua), que formariam a base da cosmologia mesopotâmica, mais tarde incorporada pela astrologia clássica greco-babilônica:
Os Sete Luminares e o Panteão Sumério:
- Sol (Utu ou Shamash): O Deus Sol.
 - Lua (Nanna ou Sin): O Deus Lunar.
 - Mercúrio (Udu-idim-gud-ud): Deus Nebo.
 - Vênus (Dilbat): Deusa Inanna/Ishtar.
 - Marte (Salbatanu ou Mulu-babbar): Deus Nergal.
 - Júpiter (Mulu-babbar): Deus Marduk.
 - Saturno (Genun): Deus Ninurta.
 
Além disso, a organização do zodíaco mesopotâmico, embora com nomes ligeiramente diferentes, já definia as 12 divisões do céu que nos são familiares. Os signos eram usados para prever fenômenos e guiar atividades, da agricultura às decisões de estado:
Os 12 Signos Astrológicos Mesopotâmicos (Proto-Zodíaco):
- Áries (LU.HUN.GA)
 - Touro (GU.AN.NA)
 - Gêmeos (MASH.TAB.BA)
 - Câncer (DUB)
 - Leão (UR.GULA)
 - Virgem (AB.SIN)
 - Libra (ZIB.BA.AN.NA)
 - Escorpião (GIR.TAB)
 - Sagitário (PA.BIL ou PA.BIL.SAG)
 - Capricórnio (SUHUR.MASH)
 - Aquário (GU)
 - Peixes (SIM.MAH)
 
O Mistério do Selo VA/243: Arqueologia e Mito
A persistência do conhecimento astronômico sumério levou a uma fascinante e polêmica discussão moderna, centrada em um pequeno artefato: o Selo Cilíndrico VA/243, datado de cerca de 2500 a.C.
Guardado no Vorderasiatisches Museum, em Berlim, o selo mostra uma cena com figuras humanas e, acima delas, um conjunto de pequenas esferas ou pontos dispostos no que parece ser uma configuração celeste. Entre elas, destaca-se uma forma central de seis pontas, interpretada como uma estrela ou o Sol.
Este selo, uma peça autêntica de função administrativa ou ritual, foi catapultado para o centro da cultura pop por teorias alternativas que alegam que ele seria a prova de um conhecimento astronômico além daquele que os sumérios poderiam ter a olho nu, como a existência de planetas invisíveis (Urano, Netuno, Plutão) e um misterioso 12º corpo.
Anunnaki e Nibiru: O Mito Moderno
A confusão surge da interpretação errônea de figuras centrais da mitologia suméria: os Anunnaki e Nibiru.
Nos textos cuneiformes, os Anunnaki são grandes deuses, a "prole dos príncipes de Anu", que aparecem no Épico de Gilgamesh e em diversos tabletes mitológicos como juízes do submundo ou membros do conselho divino — longe de serem "engenheiros genéticos" ou "visitantes estelares".
O termo Nibiru, por sua vez, aparece em textos babilônicos para designar um ponto de transição no céu, um "portal" celeste ligado ao equinócio, ou até mesmo o planeta Júpiter. Nunca foi concebido como um corpo físico além de Saturno.
O jornalista Zecharia Sitchin (1920–2010) popularizou a ideia de que o Selo VA/243 retrataria doze planetas, incluindo o misterioso Nibiru, lar dos Anunnaki. Embora essa tese tenha exercido enorme influência na cultura pop, estudiosos em línguas sumérias, como Michael S. Heiser, refutam a tradução de Sitchin, demonstrando que ele cometeu erros filológicos graves.
A leitura acadêmica aponta que os pontos no selo (que são 11, e não 12, como muitas vezes alegado) representam constelações ou estrelas como as Plêiades, um motivo comum na iconografia mesopotâmica. Transformar essa jóia arqueológica em "prova" de conhecimento extraterrestre é desviar o foco de sua verdadeira grandiosidade: o testemunho da visão simbólica e sagrada que os sumérios tinham do cosmos.
Astrologia: Do Geocentrismo ao Século XXI
O conhecimento sumério migrou e se aprimorou através das culturas babilônica e grega, até se consolidar naquilo que hoje chamamos de astrologia clássica.
A Queda no Credito
Antes do século XVII, a astrologia era aceita entre os eruditos, de grande importância para reis, médicos e cientistas. Figuras como Galileu, Johannes Kepler e Tomás de Aquino utilizavam horóscopos (Mapas Astrais). A cisão com a ciência ortodoxa só veio com a consolidação do heliocentrismo.
Contrário ao que muitos pensam, o geocentrismo na astrologia não se trata de uma crença literal de que a Terra é o centro do universo, mas de uma forma de cálculo: os astrólogos usam a Terra como ponto de observação (como um observatório) para determinar as influências astrais sobre o indivíduo que nela se encontra. A astrologia tropical, por exemplo, é um sistema baseado nas estações do ano e nos equinócios, independentemente do calendário civil em vigor (como o Juliano ou Gregoriano).
A Astrologia no Brasil: Do Discreto ao Popular
A astrologia chegou ao Brasil com os colonizadores e a corte portuguesa, onde possuía um status científico e acadêmico, principalmente entre a aristocracia. Apesar da repressão da Igreja Católica, que a associava à superstição, ela era buscada por muitos membros da nobreza, incluindo figuras como D. Isabel, que demonstravam interesse por práticas espirituais e místicas fora do dogma.
No Brasil, a astrologia começou a ganhar forma no século XX. Pioneiros como Danton Pereira de Souza e Francisco Waldomiro Lorenz (com seu programa de rádio A Hora Esotérica) pavimentaram o caminho. O grande divisor de águas foi Omar Cardoso, que, a partir de 1940, usou o rádio e os jornais para se consolidar como o primeiro astrólogo de grande projeção midiática no país.
A institucionalização veio mais tarde. Em 1969, o Instituto Paulista de Astrologia (IPA), pioneiro no ensino da chamada astrologia científica, levou à fundação da Associação Paulista de Astrologia em 1971, que se transformou na Associação Brasileira de Astrologia (ABA) em 1977. Figuras como o astrólogo Antonio Facciollo Neto continuaram a defender a astrologia como uma ciência em bases firmes.
Conclusão: A Busca Ancestral
O fascínio duradouro pela astrologia — desde o olhar nu dos sumérios até o debate moderno sobre sua validade científica — revela um profundo anseio humano por ordem e sentido. O Selo VA/243 e os tabletes cuneiformes não são apenas relíquias: são testemunhos de uma civilização que viu, no movimento dos céus, a essência do divino e do humano.
A persistência do mito de Nibiru e dos Anunnaki, refutada pela arqueologia, apenas sublinha o desejo contemporâneo de reencontrar uma origem grandiosa, um conhecimento perdido nas estrelas. Mas a verdadeira sabedoria da astrologia ancestral não está na antecipação da ciência, e sim na visão simbólica que unia o cosmo, o divino e o natural em um só corpo celeste. Essa é a essência da máquina do tempo que chamamos de astrologia.
Fontes recomendadas:
- Samuel Noah Kramer, History Begins at Sumer
 - Michael Roaf, Cultural Atlas of Mesopotamia
 - Dominique Collon, First Impressions: Cylinder Seals in the Ancient Near East
 - Electronic Text Corpus of Sumerian Literature (ETCSL – Universidade de Oxford)
 - Michael S. Heiser, The Facade e o site sitchiniswrong.com
 


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